Toca o alarme, acorda, banho, se apronta, trabalha, descansa, programa o alarme, dorme.
Está aí um sucinto resumo resumido da rotina do brasileirinho trabalhador, nós, esse povo que todo dia toma um 7x1 na cabeça mas que, por razões basicamente instintivas, insiste em sobreviver.
Uns sobrevivem "apesar de", outros "por causa de", mas no frigir dos ovos o que acontece é o resultado dessa mania insistente de persistir. Nesta sequência caótica aleatória de eventos que chamamos de vida, buscamos encontrar alguma forma de ordem, é uma demanda natural do ser humano, encontrar padrões onde muitas das vezes nem há.
Apesar de todo o caos cotidiano, muitos buscam organizar seus dias. Definir um fluxo adequado de ações para tornar seus dias proveitosos. Organizamos o tempo pro trabalho, pros estudos, pra família, pro entretenimento, etc etc.
Legal, bonito no papel, bonito quando falamos, mas e o tal do "na prática"?? Fu-deu!
Coisa mais comum que se encontra nesse mundo eurocêntrico, principalmente nas interwebs afora, é gente escrevendo sobre rotina e dando bronca na geral, afirmações categóricas de que ter um cronograma de sua semana e planejamentos de curto, médio e longo prazo são extremamente necessários e são garantia de sucesso. (imagine aqui minha cara de muito, muito nojo)
(Off-topic: se há uma coisa que hoje me causa náusea é quando uma pessoa escreve ou fala como os outros devem conduzir sua vida privada. Chamamos isso carinhosamente de "cagação de regra". Eu chamo de “gabarito do Olavo” [sim, é isso mesmo que está pensando]. Um disgramado infeliz qualquer cisma que as pessoas devem viver da forma X para obterem felicidade e sucesso, usando como bases os dados do ITDC [Instituto Tirei Do Cu], sai criando padrões e, pra meu desespero, vejo uma porrada de gente comprando esses discursos tão profundos quanto um cuspe no asfalto quente. Pense num ranço!!!)
Imagem meramente ilustrativa de influencer padrão no Instagram. |
Acontece que entender e respeitar a forma que os outros conduzem a própria vida, quais são suas prioridades individuais, é simples - porém complicado! - e caminha, quase sempre, numa linha tênue entre querer o melhor do próximo e querer que o próximo viva do jeito que você quer.
A confusão fica maior ainda quando, de tanto desenhar na tua cabeça como o outro deve viver, você começa a desenhar como você deveria viver. É comum ver as pessoas entrando num vórtice distorcido da própria realidade, das capacidades e potenciais que dispõe. Vira uma sopa de auto-análise que mistura culpa, mérito, autocomiseração, uma verdadeira balbúrdia alienada da simplicidade dos fatos.
Não questiono aqui o hábito de refletir como você está vivendo, comparar isso com como gostaria de estar vivendo dentro das possibilidades que a vida te oferece e fazer ajustes pontuais paulatinamente. O que, por muitas vezes questiono, é quando as pessoas se prendem ao que poderia ser ao invés de entender o que é e o que poderá ser.
Parece um detalhe na conjugação do verbo, mas penso eu que a questão vá bem além.
Quando você passa muito tempo pensando no que poderia ser ou viver, “se isso”, “se aquilo”, está apostando em todas variáveis que seriam alteradas sobre as quais não possui controle nenhum! NENHUM! Ao ficar confabulando e ruminando o passado, lamentando e (comumente) se culpando pelas escolhas que foram feitas, você está se apoiando na falsa premissa de que SE tivesse feito outra escolha na situação X o resultado seria Y. A questão é que NADA garante que as coisas resultariam na sua estimativa caso você tivesse feito outra escolha, pelo simples fato de que assim como você supostamente faria outra escolha, todas as pessoas e demais variáveis também (provavelmente e potencialmente) seriam diferentes e, consequentemente, você não faz a mínima ideia do que de fato aconteceria no fim das contas.
Feita esta ressalva, voltemos à questão da busca por padrões.
Buscar ou criar padrões é uma demanda inata do ser humano. Encontrar padrões otimiza o gasto energético do cérebro, porque ele não precisa pensar no que já foi estabelecido como padrão, podendo focar apenas naquilo que é variável, novo e/ou urgente.
É aí que mora o perigo. Aí está o calcanhar de Aquiles, o grego, dos palestrinhas do Instagram. Essa paspalhada de que o sucesso está nas pessoas pragmáticas, que estabelecem rotinas precisas, com alta produtividade nas 24h do seu dia. Sim, porque a pessoa de sucesso (dizem!) trabalha enquanto você dorme.
Eu não sei se você já reparou mas, ao pé da letra fria, NINGUÉM É IGUAL A NINGUÉM. Sim, assim mesmo, em letras garrafais, se fosse possível seria em letras engradadais!! O que funciona pra um não necessariamente funciona para outro. O que traz satisfação para um não serve para outro. A satisfação de cada ser humano é absolutamente individual e única, por mais que hajam padrões culturais estabelecidos e estruturalmente reafirmados, ainda assim, a humanidade não tem a capacidade física de produzir sequer dois seres humanos com precisamente os mesmos estímulos, a mesma história e, consequentemente, encontrar satisfação e realização precisamente nas mesmas coisas. Daí me vem um infeliz, no alto de sua arrogância, prepotência e sentado no seu PhD de sofá, definir um padrão único que resulte magicamente em felicidade, satisfação e sucesso. É cilada, Bino!
Quer criar para si uma rotina saudável? Crie. Quer viver sem rotina? Viva.
A graça da coisa está em encontrar o SEU tempo à seu tempo. Encontrar SUA forma à sua maneira. É você quem mora no seu corpo, é você quem viveu, vive e viverá sua história. É você quem dorme e acorda com você mesmo. Não permita que tirem de você exatamente o que te faz ser você.
Eu estou aqui, na vigésima tentativa de criar novas rotinas para minha vida, para meu cotidiano. Eu me conheço bem, de supostas dez mudanças que me proponho, sei que uma ou duas é que se tornarão perenes e tá tuuudo bem. Corrijo um comportamento aqui, extingo um comportamento ali, realinho discurso com prática neste e naquele ponto, planejo isso, aquilo e vou, devagarinho num ponto, acelerado em outro. Esse é o meu jeito, é a forma que aprendi a lidar com as mudanças e com minha evolução. Não tem certo, nem errado.
E você, está pronto para aceitar seu jeitinho único e maravilhosamente humano de lidar com rotinas e mudanças?